Expectativas socioculturais - As expectativas socioculturais atuam como um poderoso molde que muitas vezes nos obriga a nos conformar com padrões pré-estabelecidos. No caso da masculinidade, essa conformidade se manifesta através de normas que ditam como os homens devem agir, sentir e pensar.
Expectativas socioculturais e masculinidade
As expectativas socioculturais atuam como um poderoso molde que muitas vezes nos obriga a nos conformar com padrões pré-estabelecidos. No caso da masculinidade, essa conformidade se manifesta através de normas que ditam como os homens devem agir, sentir e pensar.
Segundo Judith Butler (1990), o gênero é uma performance, uma série de atos que acabamos repetindo de forma quase automática. A sociedade prescreve normas que associam a masculinidade ao desempenho sexual, força física e emocional, e sucesso profissional.
Estes padrões socioculturais não são apenas rígidos, mas também podem ser limitantes e prejudiciais. Eles desconsideram a vasta gama de experiências e sentimentos que compõem o humano.
É preciso entender que a masculinidade não é monolítica; ela é plural, diversa e em constante evolução.
Como apontou Connell (1995), existem múltiplas masculinidades que variam de acordo com a cultura, a classe social, a raça, entre outros fatores.
A perpetuação dessas normas vem não apenas de instituições sociais, mas também de nossos próprios comportamentos cotidianos. É comum a sociedade inteira funcionar como um vigilante que pune desvios da norma, seja através de ridicularização, ostracização ou até violência.
O impacto dessas normas socioculturais é profundo e abrangente, afetando a saúde mental, o bem-estar emocional, e até mesmo a saúde física.
De acordo com Kimmel (2008), a insistência em aderir a essas normas pode levar a comportamentos de risco, negligência em relação à saúde e a formação de relações interpessoais tóxicas.
A desconstrução desses padrões culturais de masculinidade não é apenas uma tarefa acadêmica, mas uma necessidade urgente. É vital para a emancipação de todos os gêneros e para a criação de uma sociedade mais justa e inclusiva.
Pistas psicanalíticas para desconstrução de normas
O campo da psicanálise oferece ferramentas valiosas para essa desconstrução. Segundo Freud (1905), a identidade sexual e o desempenho não são determinados biologicamente, mas são o resultado de complexos processos psíquicos.
O divã psicanalítico torna-se um espaço seguro onde as pessoas podem questionar e desconstruir as normas impostas sobre elas.
A terapia psicanalítica permite que os indivíduos explorem seus desejos, medos e ansiedades de maneira profunda. No contexto da masculinidade, ela ajuda a revelar como as normas socioculturais influenciam a autoestima e a identidade de gênero.
Jacques Lacan, discípulo de Freud, insistiu que a identidade é fragmentada e não fixa. A masculinidade, então, também pode ser desconstruída e reconstruída de forma que seja menos opressiva e mais autêntica.
As terapias psicanalíticas também são eficazes na resolução de conflitos internos que podem surgir devido a pressões socioculturais. Esses conflitos, quando não resolvidos, podem levar a condições como ansiedade, depressão e problemas de desempenho sexual.
A psicanálise não é apenas um meio de autodescobrimento, mas também uma forma de empoderamento. Através dela, os indivíduos podem desafiar as expectativas impostas e encontrar formas mais saudáveis e autênticas de expressar sua masculinidade.
Consequências das normas socioculturais
A pressão para se adequar às normas socioculturais de masculinidade tem várias consequências. A mais imediata é o impacto sobre a autoestima. Segundo Baumeister e Bushman (2018), a autoestima é afetada não apenas por como nos vemos, mas também por como acreditamos que os outros nos veem.
Se a visão que a sociedade tem da masculinidade é estreita, qualquer desvio dessa norma pode levar a uma queda na autoestima.
O desempenho sexual também é afetado. Como foi mencionado anteriormente, a masculinidade muitas vezes é ligada ao desempenho sexual. As expectativas de sempre estar disposto e ser sexualmente competente podem criar uma tremenda pressão psicológica, levando a problemas como disfunção erétil e ansiedade de desempenho.
Esse estresse não afeta apenas o indivíduo, mas também suas relações interpessoais. A incapacidade de atender às expectativas pode criar tensão nas relações, levando ao isolamento social e até mesmo a relacionamentos abusivos, onde o indivíduo pode tentar afirmar sua masculinidade através do controle e da dominação.
Além disso, essas normas também têm impactos negativos na saúde mental. O estigma em torno de discutir abertamente questões emocionais e buscar ajuda pode levar a condições mais graves, como depressão e suicídio.
As consequências sociais também são graves. A rigidez das normas de gênero contribui para a manutenção de estruturas patriarcais que perpetuam a desigualdade de gênero e outras formas de discriminação.
Psicanálise: desconstrução e exploração
A psicanálise oferece um espaço seguro para a desconstrução dessas normas e para a exploração do impacto que elas têm na identidade e na função sexual.
Uma das contribuições mais notáveis da psicanálise é a ideia do "Inconsciente", que Freud introduziu como uma parte da mente onde pensamentos e desejos reprimidos são armazenados.
A desconstrução dessas normas de masculinidade pode levar à ressignificação da identidade masculina.
Essa ressignificação não é apenas libertadora para o indivíduo, mas também tem o potencial de alterar a dinâmica social, promovendo uma compreensão mais inclusiva e saudável do que significa ser homem.
Além disso, o espaço terapêutico oferecido pela psicanálise pode ser um local onde as consequências negativas dessas normas, como problemas de autoestima e desempenho sexual, podem ser abordadas de forma significativa.
O terapeuta pode ajudar o indivíduo a entender como essas normas afetaram sua percepção de si mesmo e podem trabalhar juntos para criar estratégias para mitigar esses efeitos.
Outra importante contribuição da psicanálise é a ideia de "transferência", que Freud usou para descrever como os sentimentos e expectativas não resolvidas de relacionamentos anteriores são projetados em novos relacionamentos, incluindo a relação terapêutica.
Esse mecanismo pode ser uma chave para entender como as normas socioculturais têm raízes profundas no psiquismo individual e como elas podem ser abordadas e modificadas.
A abordagem psicanalítica também permite uma avaliação mais profunda dos papéis sociais e de como eles contribuem para o senso de autoestima e bem-estar geral. Isso é fundamental, porque uma compreensão inadequada da própria identidade pode levar a relações interpessoais insatisfatórias e à falta de realização pessoal.
Além disso, a psicanálise pode oferecer insights sobre a origem dessas normas socioculturais, explorando não apenas o indivíduo, mas também o contexto cultural e social mais amplo que gera essas expectativas.
Terapias específicas, bem-estar e sustentabilidade
Para além da psicanálise, outras formas de terapia podem também ser úteis na desconstrução de normas socioculturais e na promoção do bem-estar.
Terapias comportamentais cognitivas, por exemplo, focam em mudar padrões de pensamento e comportamento disfuncionais e poderiam ser adaptadas para tratar especificamente as questões relacionadas à masculinidade.
A atenção plena (mindfulness) e a meditação também são abordagens que têm mostrado potencial em melhorar o bem-estar psicológico. Thich Nhat Hanh (1999) descreve a atenção plena como o ato de estar completamente presente, o que pode ajudar no processo de desconstrução de normas socioculturais ao tornar o indivíduo mais consciente de como essas normas afetam seu bem-estar.
Na esfera da espiritualidade, práticas como o Yoga e a meditação transcendental também oferecem caminhos para o autoconhecimento e a autoaceitação, que são etapas fundamentais na desconstrução de normas socioculturais limitantes.
A sustentabilidade também se torna relevante aqui. Uma visão mais inclusiva e diversificada de masculinidade pode levar a formas mais sustentáveis de interação social, onde os recursos emocionais e psicológicos são distribuídos de forma mais igualitária.
Por fim, o impacto dessas terapias e práticas não beneficia apenas os indivíduos, mas também as comunidades em que vivem. Uma desconstrução bem-sucedida de normas de masculinidade tóxicas pode levar a comunidades mais inclusivas, tolerantes e emocionalmente saudáveis.
CONCLUSÃO
Ao buscar ressignificar e agregar valor à aprendizagem e à prestação de serviços terapêuticos destinados ao bem-estar, espiritualidade e sustentabilidade, abrimos um novo caminho para compreender e viver a masculinidade.
Este caminho não apenas beneficia os indivíduos que estão lutando para se conformar com as expectativas socioculturais, mas também tem o potencial de criar uma sociedade mais justa e igualitária para todos
Floripa, 2023
REFERÊNCIAS BÁSICAS
1- Masculinidade - R.W.Connell
Resenha: Este livro é uma obra seminal que aborda o conceito de masculinidade a partir de uma perspectiva sociológica. Connell discute a pluralidade das masculinidades e como estas são influenciadas por fatores como classe social, etnia e cultura. Além disso, ele aborda o papel do patriarcado na perpetuação de normas de masculinidade tóxicas.
2- O mal-estar na civilização- Sigmund Freud
Resenha: Nesta obra, Freud explora a tensão entre os instintos humanos e as restrições sociais, incluindo as normas de gênero. Embora o foco não seja estritamente na masculinidade, as ideias aqui presentes são fundamentais para entender como as normas culturais se formam e como elas podem ser questionadas e desconstruídas, um tema que é particularmente relevante para a psicanálise.
3- Corpo, parentesco e afetos: perspectivas feministas- Marlise Matos
Resenha: Este livro oferece uma visão feminista sobre questões de corpo, sexualidade e relações de parentesco. Embora o enfoque principal seja nas experiências das mulheres, o livro também explora como as normas de gênero afetam os homens. Marlise Matos e outros colaboradores questionam e desconstroem ideias normativas sobre o gênero, oferecendo assim um contraponto importante às visões mais tradicionais.
4- Identidade - Zygmunt Bauman
Resenha: O livro trata da construção da identidade em uma sociedade líquida e em constante mudança. Embora não seja focado estritamente em masculinidade, o livro aborda a questão de como as normas sociais e culturais influenciam a formação da identidade individual, algo extremamente relevante para a discussão sobre as expectativas socioculturais impostas aos homens.
5- Psicologia das massas e análise do eu - Sigmund Freud
Resenha: Neste livro, Freud examina o papel das massas e dos grupos sociais na formação da psique individual. Ele explora como a psicologia coletiva pode influenciar normas de gênero e expectativas. É uma leitura recomendada para quem está interessado em compreender a interação entre a psicologia individual e as normas socioculturais.