TRÊS PORQUINHOS - A leitura psicanalítica da história dos "Três Porquinhos" é uma tentativa rica e complexa de extrair significados ocultos em um conto popular infantil.
INTRODUÇÃO
Se colocarmos essa história no cenário sociocultural da pós-modernidade, encontramos várias camadas de interpretação que dialogam com a insegurança, a individualização e a fragmentação da experiência contemporânea.
HIPERCONECTIVIDADE
Em um mundo marcado pela efemeridade e pela hiperconectividade, as figuras dos porquinhos adquirem um novo contorno.
A visão freudiana de Ego, Id e Superego, por exemplo, pode ser contextualizada com o advento das redes sociais.
O porquinho que constrói a casa de palha talvez seja o reflexo de um Id hiperestimulado, um desejo de gratificação imediata que permeia nossa cultura do "aqui e agora", onde likes e retuítes são moedas de troca emocional.
Já o porquinho que constrói de madeira, ou o Ego, representa talvez o indivíduo que tenta negociar entre os impulsos imediatos e as demandas sociais, mas ainda falha em construir defesas emocionais sólidas.
ERA "FAKE NEWS"
Em uma era onde as "fake news" e a polarização são ameaças constantes, o porquinho que constrói a casa de tijolos - ou o Superego - poderia ser visto como aquele que internaliza um senso crítico, que vai além das simplificações e procura a verdade em meio ao caos informacional.
Este Superego ponderado talvez seja a única defesa contra os "lobos" da pós-modernidade, desde as ameaças à democracia até a crise climática.
O lobo em si pode ser visto como a corporificação dos medos líquidos da era pós-moderna, usando a terminologia de Zygmunt Bauman.
É uma entidade em fluxo, que pode assumir várias formas: desde a ansiedade e o medo do fracasso até a ameaça de desestabilização sociopolítica.
O lobo é o medo inconsciente que, em uma sociedade marcada pela incerteza, torna-se cada vez mais difícil de definir e conter.
Quanto ao Complexo de Édipo, o desafio de enfrentar o lobo após sair da "casa materna" pode ser comparado às intrincadas relações familiares na pós-modernidade.
As famílias, muitas vezes fragmentadas ou recompostas, apresentam desafios na formação da identidade individual e na busca por independência, que podem ser mais complexos do que os descritos por Freud.
A sublimação, como mecanismo de defesa, também encontra ecos contemporâneos.
MUNDO SATURADO
Em um mundo saturado de estímulos e tensões, o ato de "construir casas" pode ser metaforizado na busca por práticas mindfulness ou no cultivo de hobbies e talentos como uma forma de canalizar energia psíquica de forma produtiva.
Da mesma forma, a repressão e a negação, representadas pelos dois primeiros porquinhos, são mecanismos de defesa frequentemente utilizados para lidar com as complexidades e os medos da vida moderna.
Seja ignorando as mudanças climáticas, seja vivendo em bolhas ideológicas, essas formas de negação são exemplos de como não enfrentar os "lobos" da realidade.
SIMBOLISMO
O simbolismo dos materiais pode ser ampliado para incluir debates sobre sustentabilidade e a responsabilidade ética de "construir" em um mundo com recursos finitos.
A escolha de materiais ecoa decisões éticas sobre nosso papel como cidadãos do mundo, o que lembra o ethos do porquinho construtor de tijolos, ou seja, o Superego maduro e consciente.
Por fim, a sobrevivência do último porquinho sugere um final otimista, que valoriza o equilíbrio emocional e a prudência como qualidades essenciais para navegar os desafios da pós-modernidade.
Essa visão, contudo, também pode ser questionada como uma forma de normatividade psicológica, que coloca o fardo da adaptação no indivíduo, em vez de questionar as estruturas sociais que geram desafios e "lobos" em primeiro lugar.
CONCLUSÃO
Assim, a história dos "Três Porquinhos", quando vista através da lente da psicanálise e contextualizada na pós-modernidade, revela-se uma riqueza de símbolos e lições que continuam relevantes e instigantes para entendermos os dilemas da condição humana contemporânea.
RESSALVA que se faz necessária (...)
O estereótipo do "lobo mau" em histórias como a dos "Três Porquinhos" tem sido objeto de críticas por organizações não-governamentais de proteção animal por várias razões:
Desinformação e Medo: A representação negativa dos lobos como criaturas maléficas ou perigosas perpetua uma visão distorcida desses animais. Isso pode levar ao medo e à hostilidade em relação a eles, o que é prejudicial para os esforços de conservação e coexistência pacífica.
Efeitos na Conservação: Os lobos são frequentemente alvo de caça e destruição de habitat devido à percepção negativa sobre eles. Esse estereótipo dificulta esforços de conservação e pode levar a políticas públicas que não são favoráveis à proteção destes animais.
Educação Inadequada: Ao ensinar às crianças desde cedo que os lobos são "maus", perdemos a oportunidade de educar sobre a importância da biodiversidade e o papel vital que predadores como os lobos desempenham nos ecossistemas.
Animalização do Mal: Além de ser impreciso, o estereótipo do lobo como um ser malévolo reflete e perpetua uma forma simplista e arcaica de moralidade. Ele ecoa uma visão maniqueísta do bem contra o mal que não contribui para uma compreensão matizada da ética ou da psicologia animal.
Cultura e Contexto: A imagem do "lobo mau" é em grande parte um produto cultural e histórico. Em muitas culturas, os lobos têm uma imagem muito mais positiva e são vistos como símbolos de força, inteligência ou liberdade. Ao desafiar o estereótipo, as ONGs também estão abrindo espaço para uma maior diversidade cultural na forma como os animais são representados.
Floripa, 2023
REFERÊNCIAS BÁSICAS
"A Psicanálise dos Contos de Fadas" - Bruno Bettelheim
Resenha:
Embora originalmente escrito em inglês, esta obra foi traduzida para o português e é um marco na análise psicanalítica de histórias infantis. O autor, Bruno Bettelheim, era um psicanalista que se especializou em psicologia infantil. O livro argumenta que as histórias clássicas contêm profundas verdades emocionais que ajudam as crianças a enfrentar seus medos e ansiedades. Bettelheim oferece uma leitura profunda de contos como "Cinderela", "Branca de Neve" e "João e Maria", explorando como cada história oferece insights sobre a psicodinâmica da infância.
"Histórias para (não) Dormir: Psicanálise e Literatura Infantil" - Diana Lichtenstein Corso e Mário Corso
Resenha:
Este livro dos psicanalistas brasileiros Diana e Mário Corso é uma obra que explora a conexão entre a literatura infantil e a psicanálise. Os autores examinam uma série de contos e histórias, dissecando seus temas e personagens para revelar o valor terapêutico e psicológico oculto em cada um. A obra é uma excelente introdução à compreensão dos mecanismos inconscientes que são ativados através da leitura.
"O que as Histórias Contam: Uma Leitura Psicanalítica dos Grandes Contos de Fadas" - Maria Helena Fernandes
Resenha:
Em "O que as Histórias Contam", Maria Helena Fernandes oferece uma análise psicanalítica de contos de fadas clássicos. O livro não apenas aplica as teorias de Freud e Jung ao mundo dos contos de fadas, mas também discute as lições que adultos e crianças podem aprender com eles. É uma leitura envolvente que ilumina os elementos psicológicos presentes nessas histórias atemporais.
"Literatura Infantil e Juvenil: Lendo e Escrevendo com Crianças" - Nelly Novaes Coelho
Resenha:
Neste livro, Nelly Novaes Coelho aborda a importância da literatura na formação da criança e do jovem. Embora o foco não seja estritamente psicanalítico, há capítulos dedicados à análise psicanalítica de textos literários voltados para o público infantil. A obra é um estudo multidisciplinar que também incorpora aspectos da pedagogia, o que a torna uma leitura rica para educadores e pais, bem como psicanalistas.
"Infância e Ilusão (de) Amorosa: de Contos de Fada a Histórias de Terror" - Tania Rivera
Resenha:
Tania Rivera, psicanalista e professora, explora como as histórias infantis podem influenciar a concepção de amor e relacionamentos desde a infância. A autora utiliza a psicanálise para examinar não apenas contos de fadas clássicos, mas também histórias mais contemporâneas, incluindo aquelas que podem ser consideradas "histórias de terror". O livro oferece uma visão fascinante sobre como essas narrativas moldam nossas expectativas emocionais e relacionais.